Eduardo de Rezende Francisco é professor de Métodos
Quantitativos, Geoinformação e Big Data da FGV-EAESP.
fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/inteligencia-geografica-por-que-os-lideres-deveriam-aprender-geografia/
Desafio o caro leitor a encontrar alguma informação do
cotidiano que não tenha um componente geográfico. Tudo ou quase tudo que
percebemos, armazenamos, discutimos, compartilhamos, aprendemos, tem alguma
conexão geográfica com o mundo que nos cerca. Aproximadamente 70 a 80% das
informações relevantes nos processos decisórios, pessoais ou profissionais, têm
caracterização espacial.
Dada essa tremenda relevância, seria de se esperar altíssima utilização de
sistemas de informação geográfica nas organizações, apoiando a tomada de
decisões importantes para as diferentes organizações. No entanto, seu uso ainda
é incipiente. Alguma dificuldade tecnológica ou de infraestrutura? Muito pelo
contrário: o desafio é cultural.
O território é atualmente a plataforma na qual se inserem todas as dinâmicas
que devem ser observadas ou geridas diretamente pelo gestor público ou privado.
É por meio de uma visão holística do território, ou do espaço geográfico, que
todas as idiossincrasias e relacionamentos entre os principais indicadores de
gestão se estabelecem. É através da perspectiva territorial que o binômio
“desempenho – risco” consegue melhor ser percebido por intermédio da proposição
e acompanhamento de práticas empresariais e políticas públicas.
Compreender a distribuição de dados oriundos de fenômenos ocorridos no espaço
geográfico constitui hoje um grande desafio para a elucidação de questões
centrais em diversas áreas do conhecimento, seja em saúde, educação,
meio-ambiente, políticas públicas, eleições, prevenção de desastres naturais ou
mesmo em estudos de dinâmica urbana, social, serviços financeiros, seguros,
infraestrutura, administração e marketing.
Tais estudos vêm se tornando cada vez mais comuns, devido à disponibilidade de
Sistemas de Informação Geográfica (GIS), e também à necessidade de explicação
da distribuição geográfica de problemas e variáveis de interação socioeconômica
que modelos tradicionais e clássicos geralmente não endereçam.
As ferramentas quantitativas que manipulam dados espaciais permitem que se
incorpore a natureza geográfica do fenômeno nas técnicas de exploração de dados
e nos modelos estatísticos de inferência e associação entre variáveis. Sua
adaptação e endereçamento aos principais problemas das organizações em geral,
envolvendo dados internos e dados secundários de características
sócio-econômico-demográficas, é muito alta. Mapa é uma linguagem universal, e
vale mais do que mil palavras.
Recentemente, cunhou-se o termo “Inteligência Geográfica” como o uso da
perspectiva geográfica nas tomadas de decisão pelas empresas, públicas e
privadas.
Contudo, para a maioria das pessoas, geoinformação se resume a procurarmos o
endereço de casa no Google Maps ou a utilizar o Waze no carro para se chegar
rapidamente ao destino.
Essa dificuldade de percepção certamente tem origem histórica – nossa intuição
espacial não foi devidamente alimentada durante nossa formação educacional.
Alexander Von Humboldt (1769-1859), que dizia que a Geografia é a ciência
integrativa, e muitos outros pensadores que o sucederam, não foram capazes de
impedir que a Universidade de Harvard, na década de 1940, erradicasse seu
Departamento de Geografia. Tal movimento foi seguido por outras relevantes
instituições de ensino norte-americanas e do resto do mundo. Por conseguinte,
mais de setenta anos depois vivemos a consequência desse ato. A imensa maioria
de cursos de administração, economia, engenharia e outros, inclusive do Brasil,
passou a ter poucas disciplinas que permitisse discutir aspectos analíticos
derivados de perspectivas geográficas. Inovações históricas como Imagens de
Satélite, GPS, MapQuest, servidores digitais de mapas, ferramentas digitais de
análise geográfica, Google Maps, ArcGIS não foram percebidas, experimentadas ou
discutidas no contexto educacional de nossos jovens.
Com isso, o profissional que hoje está na liderança das grandes organizações
não adquiriu repertório de “pensamento geográfico” suficiente em sua formação.
As decisões estratégicas das organizações passam inevitavelmente pelo
pensamento de suas lideranças, e são tomadas segundo seus modelos mentais de
decisão. Se a perspectiva geográfica é ignorada ou pouco considerada, então ela
praticamente inexiste naquela organização – não será suplantada por equipes
técnicas excelentes, que atuam em áreas específicas, e que não têm uma visão
holística e sistêmica que caracteriza a alta direção.
Movimentos recentes, no entanto, sinalizam boas perspectivas de mudança. Salas
de decisão recentemente implantadas pelo poder público em esfera municipal e
estadual, em muitas localidades do Brasil, utilizam um grande mapa do
território de atuação como plataforma de visualização e análise e estão
permitindo que seus times de operação (e decisão) aprendam essa nova linguagem.
Empresas fornecedoras de dashboards e painéis de indicadores de gestão já
apresentam mapas e visualizadores geográficos.
Devemos, portanto, incentivar o enfrentamento desse desafio cultural, em prol
de uma visão de gestão territorial que beneficie a todos. O Big Data, contexto
recente de “poder da informação” na sociedade atual, tem tremendo potencial de
investigação sob a perspectiva geográfica. Mas isso é papo para uma próxima
conversa. Que venham os líderes geográficos!